Estudo de Daniele Avila sobre “Tentativas contra a vida dela” de Martin Crimp e “Grande e pequeno” de Botho Strauβ
Traços por toda parte
Estudo sobre “Grande e pequeno” de Strauβ e “Tentativas contra a vida dela” de Crimp
Autor: Daniele Avila
Este artigo foi escrito em 2008, numa primeira aproximação com a peça Tentativas contra a vida dela, de Martin Crimp, cujo projeto de montagem foi elaborado no início de 2009 e estreou em maio de 2010 no CCBB de Brasília.
A proposta deste estudo é analisar as peças Grande e pequeno de Botho Strauβ e Tentativas contra a vida dela de Martin Crimp, a partir da idéia de drama de estação. Algumas considerações serão feitas a partir de aproximações entre essas duas peças e O sonho de August Strindberg. Pretendo especular sobre a possibilidade de ler as peças de Strauβ e Crimp como tentativas contra o drama de estação a partir da utilização dessa mesma estrutura.
Em O sonho, a personagem central, Inês, tem o propósito de experimentar o mundo dos homens, vivê-lo. Ela passa por uma série de quadros que contêm situações humanas pelas quais ela precisa passar. Esses quadros têm elementos em comum, entre eles, uma porta que precisa ser atravessada. Há, na dramaturgia de Strindberg, uma luta contra alguma coisa, seja contra a miséria dos homens, como em O sonho, ou contra alguma espécie de destino ou ainda contra culpas do passado, como em O caminho para Damasco. Inês tem uma trajetória. Ela entra no mundo, passa por situações que fazem com que ela conheça esse mundo, depois vai embora com algumas conclusões. Ela não deixa de ser Inês, filha de Indra, e sua opinião sobre os homens, de que eles são dignos de lástima, é a mesma do início ao fim. O protagonista de O caminho para Damasco também não se transforma, ele segue cometendo os mesmos disparates, como jogar dinheiro fora quando está a ponto de ficar sem dinheiro nenhum, e segue esbravejando contra Deus. O percurso que eles fazem é uma espécie de volta sobre si mesmo. CLIQUE AQUI PARA LER NA ÍNTEGRA
Trecho do texto
Para quem ficou curioso a respeito desta história do texto só ter travessões, segue um trecho da “situação 2″. Um pequeno exemplo de como a estrutura do texto inteiro é:
” 2. TRAGÉDIA DE AMOR E IDEOLOGIA
– Verão. Um rio. Europa. Estes são os ingredientes básicos.
– E um rio que atravessa.
– Um rio, exatamente, que atravessa uma grande cidade européia e um casal à margem deste rio. Estes são os ingredientes básicos.
– A mulher?
– Jovem e bonita, naturalmente.
– O homem?
– Mais velho, taciturno, sensível, naturalmente.
– Um homem naturalmente sensível, mas, no entanto, um homem com poder e autoridade que sabe que isso está errado.
– Ambos sabem que isso está errado.
– Ambos sabem que isso está errado, mas eles não conseguem / se conter. Exatamente.
– Eles estão fazendo amor no apartamento do homem.
– Fazendo o quê?
– Fazendo amor. Fazendo amor no apartamento do homem. Um apartamento de luxo, naturalmente, com vista para a cidade inteira. Estes são os / ingredientes básicos. …”
(Tradução – Daniele Avila)
Entrevista com Martin Crimp, por Luis Felipe Reis
Por Luis Felipe Reis, no Globo online:
Considerado um dos mais brilhantes autores teatrais britânicos surgidos nos anos 80, Martin Crimp é um sujeito recluso, dono de diálogos ácidos que expõem uma visão seca e crua das relações humanas em tempos de pós-modernidade. Enxerga a sociedade como o lugar da “decadência social, de acordos morais tácitos e de uma violência pouco suprimida”, diz o crítico Alex Sierz. Em suas mais de 16 peças, não há espaço para relacionamentos amorosos ou diversão. Formado na St Catharine’s College, a mesma onde estudou Tom Stoppard, Crimp passou a ser apontado como o dramaturgo mais inovador da sua geração após a estreia de “Tentativas contra a vida dela” no Royal Court Theatre, em 1997. Traduzida para mais de 20 idiomas, seu texto mais corajoso e inovador chega ao ao Sérgio Porto pelas mãos do diretor Felipe Vidal, que planeja para o ano que vem mais dois textos do autor, “O campo” (The Country) e “A cidade” (The City). Sentado em frente a um antigo piano e cercado por gerânios que avançam pela janela de sua casa, localizada perto do Heathrow Airport, na Inglaterra, Crimp conversa com O Globo e revela detalhes do processo criativo de suas peças, opiniões sobre o cenário teatral britânico e analisa as principais motivações que o levaram ao teatro, quando deixou de lado uma tentativa frustrada como romancista e autor de contos para assumir os palcos com o seu primeiro texto, “Love games” (1982).
Leia a entrevista em http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2010/08/20/recluso-acido-dramaturgo-ingles-martin-crimp-comeca-ser-encenado-no-brasil-917443234.asp
Aleks Sierz e Martin Crimp conversam sobre a peça Tentativas contra a vida dela
Entrevista de Aleks Sierz com Martin Crimp, publicada em: SIERZ, Aleks. The Theatre of Martin Crimp. Londres: A&C Black, 2006. Coleção Methuen/drama (trecho traduzido por Daniele Avila)
ALEKS SIERZ: Você pode me contar como surgiu o “Tentativas contra a vida dela”?
MARTIN CRIMP: No intervalo entre “The treatment” e “Tentativas contra a vida dela”, eu cheguei num ponto de frustração com – o que se pode chamar de – o jeito normal de escrever. Eu estava completamente entediado de fazer diálogos do tipo “ele disse” e “ela disse”. Eu estava frustrado com o drama psicológico e entediado com o chamado teatro cutting-edge. Não é nada bom escrever se você não tiver prazer de escrever. E por algum tempo depois de “The treatment” eu tinha prazer escrevendo pequenos contos em formato de diálogo. Eu sentia uma verdadeira urgência em escrever dessa maneira. E foi assim que surgiu o “Tentativas”. Eu ficava escrevendo cenas dessa maneira, então eu olhava para elas e dizia: “Desculpa, Martin, mas isso não é uma peça.” Depois, no final eu acabei pensando: “Claro que é.” Eu estava satisfeito com a escrita – parecia totalmente minha, era bem Martin – e funcionou.
ALEKS SIERZ: Sim, eu concordo. Mas outras peças te influenciaram na época? (mais…)
Temporada carioca
Matérias do Correio Braziliense dias 13 e 14/05
Correio Braziliense D&A 13-05-2010-2
Fotos da pré-estreia por Rafaela Rezende
Flavia Pucci
Joaquim Castro e Luciana Fróes
Luciana Fróes
Aurora dos Campos
Gabriela Carneiro da Cunha
Renato Carrera e Sérgio Medeiros
Renato Carrera e Sérgio Medeiros
Talita Fontes
Dani Façanha
Renato Carrera
Uma peça com travessões
Por Felipe Vidal
Em julho de 2008 estive com Tom Stoppard para conversarmos sobre o Rock’n’Roll que eu estava traduzindo e às vésperas de dirigir. Foi um chá e uma breve conversa numa tarde. Lá, ele me perguntou sobre as peças que eu já tinha dirigido e eu comentei que dentre outras tinha dirigido duas pecas da Sarah Kane, inglesa como ele, que eu previa que ele pudesse conhecer. Ele de pronto, espirituosamente, disse que a Sarah Kane era a “alegria dos diretores” pois ele tinha notícia de uma montagem de um dos textos dela com uma atriz, outra com três atores e outra, desse mesmo texto, com vários no elenco. Eu ri da piada dele, entendi o hiato de gerações que há entre ele e a Sarah e a radical divergência estética da dramaturgia dos dois. Não aprofundei mais o assunto pois estava ali pra falar do Rock’n’Roll – e as peças da Sarah que eu dirigi tinham personagens com nome e tudo! (mais…)
Tentativas contra a vida dele
Por Aleks Sierz
No livro intitulado “The Theatre of Martin Crimp”, publicado em 2006, o crítico Alekz Sierz faz uma aproximação bem humorada com as estratégias críticas da escrita do próprio Martin Crimp para esboçar um texto sobre ele.
1. O projeto
Para o seu próximo livro, o Crítico decidiu focar num único dramaturgo, o Escritor. Mas ele está perturbado pela teoria pós-moderna que proclama A Morte do Autor. E se o Escritor não tiver escrito as suas peças? E se a linguagem tiver simplesmente falado através dele? No dia seguinte, o Crítico vê o escritor de relance na estreia de uma peça em Londres. Ufa, pelo menos ele ainda está vivo. Mas como será que ele é, como pessoa?
2. A escola
A primeira coisa que o Crítico estabelece sobre o Escritor é que ele frequentou a mesma escola que um outro escritor famoso. Então ele pesquisa a obra do Escritor, procurando pistas da sua criação, sua família, sua escola. Obviamente com pouco sucesso. (mais…)
Todas as mensagens foram apagadas
Por Daniele Avila
Na edição impressa da peça Tentativas contra a vida dela – 17 situações para o teatro, uma indicação do autor me chamou a atenção antes mesmo de começar a ler a peça: “Na montagem, a primeira situação, ‘Todas as mensagens foram apagadas’, pode ser cortada.” O que ele quer dizer com isso? Além de ser muito interessante e de traçar subjetivamente a estranha trajetória da peça, essa primeira situação parece imprescindível: a imagem (mesmo que abstrata) na caixa do quebra-cabeça, um mapa de uma cidade desconhecida.
Seria essa, então, (a) a primeira das inúmeras pistas falsas da peça? (b) um traço do senso de ironia que pontua a escrita de Martin Crimp? (c) uma dica do mecanismo de tentativa e fracasso, de esboço e apagamento em que a peça se dá? Afinal, como se poderia manter o subtítulo “17 situações para o teatro” com uma situação a menos? Seria essa uma tentativa contra a própria peça, um ameaça àquela parte do título que tenta descrevê-la? Seria essa uma questão demasiado periférica: uma nota do autor na edição impressa da peça em inglês? Os textos de programa costumam falar sobre as grandes questões, costumam situar o espectador, informá-lo, expor conhecimento. Mas não é possível discernir qual é a grande questão dessa peça. Talvez não haja uma grande questão. E não há como situar o espectador, não há informação ou conhecimento que sirva de prefácio ou preparação para a lida com esta peça de Martin Crimp.
Talvez essa peça seja uma espécie de negação da biografia como a conhecemos das prateleiras das livrarias: as que se querem conhecedoras da vida inteira de uma pessoa – algo simplesmente inatingível. Mas é mais provável que ela não esteja negando nem afirmando nada. Talvez não seja o caso de levar as coisas tão a sério. Tentativas contra a vida dela é feita de traços, destroços, pistas, perguntas, ruínas, cancelamentos, presenças e ausências. Uma peça que inventa e reinventa as suas próprias premissas a cada nova situação. Ela se esquiva de explicações e de qualquer tentativa de definição. Sem a ansiedade de entender ou de explicar, cabe a nós, espectadores, o prazer de estar diante de imagens, de sentidos possíveis e de conclusões impossíveis.